3 de julho de 2016

O Carrasco de Nantes


Eu retornava a Nantes, após uma prolongada ausência na Valônia e na Flandres batava, quando dois oficiais de justiça avançaram sobre mim e, sem outras palavras, me conduziram à praça de execuções, onde o patíbulo já estava armado.

Subiram-me ao cadafalso. Tremi de pavor. Mas, quando me enfiaram cabeça abaixo o capuz vazado nos olhos, respirei aliviado. Eu seria o executor, não a vítima. Nestes tempos, não havia em Nantes o carrasco oficial e a função de verdugo era exercida por cidadãos, arregimentados através de sorteio.

Entre verdugo e vítima, é evidente que eu preferia a primeira condição. Por isso alegrei-me, embora nada houvesse de agradável em decepar a cabeça de larápios ou prostitutas.

Cumpri fielmente o meu encargo, embora eu não pudesse saber quem era a vítima. A alma piedosa do alcaide de Nantes, avessa a execrações maiores que as ordinárias, fizera decretar que o executado teria a cabeça coberta por um capuz, semelhante ao do carrasco, mas sem orifícios. O corpo seria entregue, depois, aos familiares, mercê da necessidade de um enterro cristão.

Retornei a casa, portanto, com as mãos sujas de sangue. Procurei pela minha companheira, mas não a encontrei. E, quando anoitecia, a carroça mortuária parou defronte à minha vivenda. Dois piedosos beleguins fizeram entrar um corpo de mulher, que estenderam à mesa. Um terceiro trazia a cabeça da desgraçada envolvida no mesmo capuz com que fora executada.

Ao puxar o capuz pela extremidade, o beleguim revelou a face convulsa de minha mulher. Fora eu que, sem que o soubesse, a executara.

- Furto? - perguntei, em prantos.

- Fornicação – respondeu o beleguim.

Então cuspi na face do cadáver e saí de Nantes para nunca mais voltar.


Por Mephisto


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