Tríptico: Primeiro minuto, segundo minuto, terceiro minuto
Há pouco ainda rolaram algumas cabeças do cadafalso. Nessa oportunidade
ocorreu ao artista a ideia de pesquisar o problema: a cabeça teria a
capacidade de pensar por alguns segundos depois de separada do tronco?
Eis o relato dessa pesquisa. Em companhia do Sr. ... e do Sr. D.,
magnetopata especializado, tive acesso ao cadafalso; lá solicitei ao Sr.
D. estabelecer contato entre mim e a cabeça cortada, por intermédio de
novos procedimentos que lhe pareciam adequados. O Sr. D. concordou. Fez
alguns preparativos e então esperamos, não sem emoção, a queda de uma
cabeça humana.
Assim que chegou o momento fatal, caiu a terrível lâmina, fazendo
estremecer toda a armação e rolar a cabeça do julgado pelo horrível saco
vermelho.
Ficamos com o cabelo em pé, mas não tivemos mais tempo para nos afastar.
O Sr. D. me segurou pela mão (eu estava sob a sua influência magnética)
levou-me até à cabeça em convulsões e me perguntou: O que está
sentindo? O que está vendo? A emoção me impedia de responder na hora.
Mas logo depois gritei, com extremo pavor: Horrível! A cabeça pensa!
Agora estava querendo me livrar do que inevitavelmente iria acontecer,
mas era como se um pesadelo me segurasse. A cabeça do executado
enxergava, pensava, e sofria. Quanto tempo durou? Três minutos, como me
disseram. O executado deve ter pensado: trezentos anos.
O que sofre quem é executado assim não pode ser reproduzido pela
linguagem humana. Aqui me limito a relatar as respostas que dei a todas
as perguntas, enquanto eu, por assim dizer, estava me identificando com a
cabeça cortada.
Primeiro minuto: sobre o cadafalso
Eis as respostas: Um ruído inconcebível rugia em sua cabeça. O ruído do
machado que se abaixa. – O delinquente acredita que foi atingido pelo
raio, não pelo machado. – Estranho, aqui debaixo do cadafalso está a
cabeça no chão, pensando que ainda está em cima; acredita que ainda faz
parte do corpo, e ainda está esperando o golpe que a deve separar.
Um sufoco horrível. – Respiração, impossível. – É uma mão não-humana,
sobrenatural, desabando como uma montanha sobre a cabeça e o pescoço. De
onde vem essa mão horrenda e inumana? A vítima, resignada, a identifica
nesse momento: púrpura e armelino roçam os dedos.
Sofrimentos mais atrozes estão por suceder.
Segundo minuto: debaixo do cadafalso
A pressão transformou-se em corte. Somente agora o executado toma
conhecimento de sua situação. – Com os olhos mede a distância que separa
a cabeça do corpo, e reflete: a minha cabeça está cortada.
O delírio aumenta freneticamente. Parece ao executado que sua cabeça
está pegando fogo e girando em torno de si mesma... E nesse frenesi, um
pensamento inconcebível, tresvariado, indizível, apodera-se do cérebro
moribundo: Será possível? O homem decapitado ainda tem esperança. Todo o
sangue que lhe ficou pulsa mais rapidamente pelas veias e agarra-se à
esperança.
Chega o momento em que o executado pensa que está estendendo as mãos
crispadas, trêmulas, em direção à cabeça. É o instinto que nos faz tapar
com a mão a ferida aberta. Isso se dá com o intuito, o horroroso
intuito de recolocar a cabeça em cima do tronco, para guardar mais um
pouco de sangue, mais um pouco de vida... Os olhos do torturado
reviram-se nas órbitas sangrentas... o corpo torna-se rijo como
granito...
É a morte...
Não, ainda não.
Terceiro minuto: na eternidade
Ainda não é a morte. A cabeça continua pensando, e sofrendo. Sofre o
fogo que queima, sofre o punhal que estraçalha, sofre o veneno que
convulsiona, sofre nos membros que são serrados, sofre nas entranhas que
são arrancadas, sofre na carne que é cortada e moída, sofre nos ossos
que são fervidos devagar em óleo quente. Todos esses sofrimentos juntos
não chegam a dar uma ideia do que se passa com o executado.
Nesse momento, um pensamento o faz estarrecer:
Já está morto e deverá continuar a sofrer assim? Talvez por toda a eternidade?...
Porém, a existência humana lhe escapa; aos poucos lhe parece confundir-se com a noite; de leve ainda passa uma névoa, mas ela também enfraquece e se esvanece; escuridão total... O decapitado está morto.
por Antoine Wiertz (Pintor belga 1806 - 1865)
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